quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Registro de Viagem à Costa do Marfim: Relato XX - Voltando a Pé e Assustando a Espiã


Registro de Viagem: Costa do Marfim

Relato XX – Voltando a Pé e Assustando a Candidata –18 de Janeiro a 20 de Janeiro

Na segunda-feira, dia 18, fomos eu e Wilfred a alguma reuniões na área comercial de um distrito chamado Treichville. A libanesa lá da empresa deu o não mais categórico e cruel que já ouvi em minha vida à nossa proposta de contrato. Estamos refazendo para propor-lhe um novo. De qualquer forma, o importante dessa história é que eu sempre saio de casa com o dinheiro contado e que, nesse dia, as reuniões no bairro longe foram avisadas pelo Sr Happy quando cheguei ao trabalho do mesmo dia às 08h00. O bandidão do Happy saiu do trabalho mais cedo, às 15h, quando eu não havia ainda retornado da maratona de reuniões e nem almoçado. Resultado, nada de reembolso, ou seja, nada de almoço e de táxi pra casa. Amarguei os 8 km de caminhada entre casa e o trabalho com o estômago roncando, suor encharcando minha camisa boa da Agnelli – escolhida especialmente para ir às reuniões desse dia – e cheirando a catinga da Lagune Ébrie. À noite, até sonhei com o chefinho. Sai pra lá!

Na terça, dia 19, recebi o reembolso devido. Fui a algumas reuniões e quando voltei à tarde (dessa vez, já devidamente alimentado), tinha uma mulher que queria ser entrevistada para ser nossa vendedora free-lance. Quem que teve que entrevistar? Quem é o estagiário mais moderno? Aêê! Eu mesmo! No melhor estilo “cut the crap” ocidental, pedi para que me desse suas qualificações, idade, experiência anterior e como ela havia conhecido a nossa empresa. Bem, a mulher fez um curso técnico de alguma coisa que já não me recordo, alegou trabalhar em tempo integral na secretaria de uma empresa alimentícia local e não quis revelar a idade, me chamou de mal-educado e deu risadinhas. “Madame, que l’age avez-vous?” – perguntei sério. Ela parou de rir e disse que tinha 30 anos. “Você ainda não respondeu como conheceu a AFCO” – ressaltei. Nisso, ela responde que foi por meio de uma amiga que trabalha na empresa Sunshine. Ora, a Sunshine é uma concorrente perigosíssima. Pensei logo que a mulher tinha vindo fazer espionagem (na Costa do Marfim, é máfia pura; foi assim que o Happy conseguiu a tabela de custos da concorrência). Já não gostei dela.

Perguntei, então, quanto ela queria de comissão. Ela respondeu que queria “o que a gente pudesse dar”. “0,001% está bom, então?” – perguntei. Ela recusou. Daí:

EU: Quanto você realmente quer?

CANDIDATA: Faça uma proposta. Pois, para mim, o mais importante é a experiência.

EU: Sei. 0,002% está bom?

(risos da candidata)

EU: Escute, Madame. Está na hora de levar essa entrevista a sério. Tenho quase 10 anos a menos que você, mas isso não é pro forma. Você pode achar que não falo de verdade quando ofereço 0,001%, mas tenha certeza que é. Agora, quanto você quer de comissão. E é interessante que passe a ser sincera.

CANDIDATA: Eu tenho uma família muito grande para sustentar. Muitos irmãos. Quanto você pode me dar?

EU: Você entende que me deu mais argumentos para manter a comissão baixa? Se você está em necessidade, terá que aceitar o quanto eu quiser dar. Sua última chance. Quanto você quer?

CANDIDATA: 10%.

(risos meus)

EU: 10%? Para alguém com sua pouca formação e falta de experiência na área? Dou-lhe 2,5%.

CANDIDATA: Mas é muito pouco!

EU: O que interessa não é a experiência? Eu praticamente pago para trabalhar aqui. Você ainda receberá 2,5%.

CANDIDATA: Mas aí não dá pra mim.

EU: Vamos fazer o seguinte. Você passará por um período teste de duas semanas. Sua comissão será de 4%. Se você apresentar resultados, poderemos negociar suas futuras comissões para cima. Volte amanhã para que eu possa treiná-la e você receberá nosso material. A que horas você pode?

CANDIDATA: 15h

EU: Alors, a demain 15 heures!


Hoje, quarta-feira, dia 20, já são 16h30 e a moça não apareceu. Eu, hein.


Deus os guarde.


PS: Fui informado agora, 20 minutos após a postagem, que a candidata ligou para o Sr Happy dizendo que, após refletir, decidiu não passar pelo período de teste e que desistia da vaga. AFCO é CAVEIRA!



« Heureux l'homme qui ne marche pas selon le conseil des méchants, Qui ne s'arrête pas sur la voie des pécheurs, Et qui ne s'assied pas en compagnie des moqueurs. » Sl 1 :1


5 comentários:

Ligia Cerqueira disse...

Acho que a família dela não era tão grande assim...

Julia Pestana disse...

Natan, você deveria escrever um livro das suas aventuras na Costa do Marfim!

Sarinha! disse...

Quanto tempo durou essa caminhada de 8km? Caminhar gasta 6kcal por minuto. Veja pelo lado bom: vc perdeu calorias! Êêêê \o/

Sim, e parabéns pela entrevista! É faca na caveira! hehehe

Je t'aime a la folie!

Daniel e Gláucia disse...

Andar esse tempo todo engravatado com sua blusa especial, sem ter almoçado e nesse sol escaldante, deve ter feito você perder mais do que as 6kcal que a Saroca falou. Acho que você assustou realmente a moça. Ela deve ter pensado que trabalhar na empresa com você iria ser muito exigida. Imagina...

Heitor disse...

Natan Justus! ehhehehe

Muito boa essa, e vemos que infelizmente a candidata escolheu os piores argumentos possíveis para quem se candidata a algum emprego. a AFCO é empresa, não um departamento humanitário.

P.S.: Se quiser escrever o livro, se quiser eu edito e faço o merchan aqui em Fortaleza!