sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O Dia Em Que Financiei o Crime


Essa história já é velha conhecida de familiares e amigos próximos, contudo, estimulado por esses mesmos familiares e amigos próximos, decidi finalmente registrá-la nesse antro de textos de assuntos variados e desconexos. Pois bem.

Esse ocorrido deu-se na época do cursinho. Estava eu caminhando para a aula por volta das 06h00 da manhã, horário esse em que as ruas na Bela Vista começam a ter alguma circulação e as padocas ainda não abriram completamente, quando dois homens, um portando uma bolsa esportiva de mão e outro um imponente pedaço de forma de forma cilíndrica passavam pela calçada. Absorto em meus pensamentos, esses dois senhores me abordaram. “Mano” – começou um deles – “encosta aí no muro e não tente nada de esperto porque eu tenho essa barra e meu amigo ta com uma treizoitão na bolsa”. Na hora, o medo e a surpresa que me acometeram me deixaram de tal forma paralisado que, sinceramente, a recomendação do rapaz poderia ser considerada altamente dispensável.

Pediram-me dinheiro e tentei jogar uma conversa estilo “pô, cara, sou estudante e só tenho o do almoço”, mas isso não pareceu sensibilizá-los. Um deles – o da bolsa – só disse para que eu deixasse de conversa e entregasse logo o dinheiro. Foi aí que minha sorte mudou. O outro homem – do ferro – notando meu sotaque, perguntou: “De onde vens?”. “Do Ceará” – respondi. Se é verdade que nossa expressão espelha a do próximo, minha boca abriu-se em um grande sorriso, porque o do ferro disse, cheio de alegria, “eu também!”. Aproveitei a chance e comecei um papo com o sujeito.

Após descobrir para qual time ele torcia (Icasa) e que ele estava juntando dinheiro pra retornar à terrinha, ele me revelou que era de Tauá. “Que coincidência!” – menti – “minha família é toda de lá!”. Uma vez caído na graça do assaltante meu conterrâneo, descobri que o outro era de Feira de Santana, BA. Para minha fortuna, meu sobrenome, Cerqueira, abunda em Feira de Santana. Fi-lo saber meu sobrenome e iniciei uma conversa com ele também.

Após um agradável momento de confraternização entre nordestinos, fingi-me preocupado com o ramo de, digamos, atuação profissional que eles haviam escolhido. “Mas gente, é tão perigoso esse negócio de sair por aí assaltando. Se a polícia pegar, eles matam, porque policial não vale nada”. Essa minha conversa mole em busca de empatia deu certo, mas eles responderam de modo bem diferente ao que eu esperaria dizendo que estavam no ramo e “era isso mesmo”. Após isso, descreveram todas as atrocidades que fariam com o policial que os pegasse e, num momento total de conexão entre nós, eles gentilmente ofereceram seus serviços. “Como assim?” – perguntei. “Se alguém incomodar, é só chamar que com cinquentinha a gente põe o hômi pra dormir”. Lisonja nas alturas.

Por fim, eles disseram que, como eu era “um deles”, eles não iriam me roubar, mas que levariam apenas uma contribuição. Após dar R$2 a cada um deles, eles me disseram que usariam o dinheiro pra completar a passagem de metrô pra ir fazer uma correria lá na Sé.

E essa, pessoal, é a tal história de quando eu indiretamente fui cúmplice e financiador do crime. Esse também foi o último dia em que passei pela 14 bis.