domingo, 21 de dezembro de 2008

Sobrevivendo ao mercado II – Adaptação vs Identidade: inovações e vícios corporativos


Mais do que nunca, vivemos numa época em que a apresentação de elementos inéditos ao comprador torna-se contínua. As inovações em tendências, produtos, formas de criação, parcerias e modelos de gestão estão incrivelmente mais freqüentes. Além disso, temos um mercado consumidor cada vez mais exigente, estando disposto a trocar-nos pelo concorrente sem nem pestanejar à menor falha nossa. Que pode ser feito? As empresas devem apegar-se à tradição corporativa e reputação construída por décadas de trabalho ou abraçar com tudo o que a tecnologia tem de novidade a oferecer? A pergunta acima foi propositalmente tendenciosa. Independentemente de qual haja sido sua escolha, a resposta correta não consiste exclusivamente de uma das duas opções.

Como foi exposto no Sobrevivendo I, a empresa será tão mais rentável quanto mais cativa for sua clientela. Diante da impossibilidade de servir a todos satisfatoriamente, deve-se escolher um nicho a ser servido com perfeição. Absolutamente nenhuma corporação conseguirá se identificar com algum segmento do mercado se não possuir, bem, identidade. Segue abaixo um estudo de casos com cinco tradicionais companhias, mostrando como cada uma respondeu a uma das inovações citadas no parágrafo acima. Dos cincos casos, temos quatro bons e um ruim. Vamos aos bons.

Fundada em 1899 pelo inventor George Eastman, a Kodak passou 100 anos produzindo câmeras e filmes fotográficos. Empresa tradicionalíssima no mercado, tudo parecia estar seguindo bem até o surgimento da câmera digital e o fim da era do filme. O negócio da Kodak estava sendo conduzido a sua tumba. Era preciso fazer algo. Foi então que a Kodak fez um profundo reposicionamento e decidiu mostrar ao público consumidor que seu negócio não era filme fotográfico, mas sim imagem. Uma vez decidido o negócio da empresa, a Kodak decidiu deixar isso claro para o consumidor e se posicionar de forma diferente do que havia feito até então. Ela seria uma parceira prestativa pronta a auxiliar as pessoas a registrarem e guardarem os bons momentos de sua vida. A companhia, então, fez público seu reposicionamento por meio deste comercial e concentrou-se na produção de câmeras digitais e na impressão de fotos digitais.

Esse foi um dos melhores exemplos de adaptação ao mercado do século XXI. Iniciou seu marketing, ainda no século XIX, com o slogan “You press the button, we do the rest” e adentrou o século XXI com “Keep me, protect me, share me and I will live forever”. Em ambos os casos, a conveniência do consumidor vem à frente. Ela conseguiu manter sua identidade com novos produtos mesmo após um século de produção da mesma coisa. Não se viciar na produção, eis um desafio para poucos.

A Dunkin’ Donuts foi fundada em Quincy, Massachusetts, em 1950. Aparentemente, seu negócio está evidenciado em seu nome. O que o nome não revela, no entanto, é que os doughnuts foram o carro-chefe da Dunkin' no passado, o que não se dá hodiernamente. Para descobrir o responsável pela maior parte de sua receita, basta descobrir quem a Dunkin considera seu principal concorrente. Não, não é o Mister Donut, a Krispy Kreme ou a Tim Hortons; é a Starbucks.

Durante a década de 90, a Dunkin’ viu que os sanduíches matinais do McDonald’s e do Burger King ganhavam da Dunkin em vendas de café da manhã, o ponto forte da Dunkin. A mudança de foco foi feita do doughnut para o café, pois se esperava aumentar a freqüência de clientes na loja ao se concentrarem na venda de algo de consumo freqüente. “O estímulo ao café funcionou – hoje o café representa 62% das vendas.”[1] O cardápio da Dunkin’ está sendo expandido com itens mais saudáveis como saladas de frutas e salgados de salsicha – os Dunkin’ Dawgs – estão atraindo clientes em horários depois das 11h, algo incomum para a empresa, pois seus produtos eram normalmente associados somente ao desjejum.

Enquanto a Starbucks se direciona a um público altamente sofisticado, “os clientes da Dunkin’ incluem trabalhadores braçais e trabalhadores com funções administrativas de todas as idades, raças e níveis de renda”[2]. Dado o segmento mediano e profissionalmente operacional da Dunkin’, pode-se dizer que seu slogan é perfeito: “America runs on Dunkin’: how everyday people get things done, every day”[3] Ou seja, sem negar suas origens e seu nicho preferido – “pessoas comuns” – a Dunkin’ se adaptou a novas tendências no mercado das cadeias de alimentação.

Para quem acompanha o trabalho de Maurício de Sousa, não é preciso dizer que a renovação da aparência das personagens da “turma” tem sido uma constante nesses últimos 45 anos, aproximadamente. Muitos personagens originais de Maurício caíram no esquecimento – alguém se lembra da “Turma do Pelezinho” ou do Nico Demo? O fato de algumas inovações também não terem dado certo (como a “Turma do Ronaldinho Gaúcho”, lançada em 2005) serviu ao efeito inverso do desestímulo: em 2007, Maurício de Sousa lança “Lostinho", uma paródia da série de TV Lost.

Tentando sempre abocanhar a fatia do mercado que aprendeu a ler com os personagens da turminha, mas hoje já estão crescidos, Maurício lança, em 2008, a promissora “Turma da Mônica Jovem”, com os tradicionais personagens da turma do Limoeiro já com cerca de 15 anos e em histórias ilustradas ao estilo oriental de mangá. A temática aqui é mais madura. Nada de Magali filando comido dos outros ou de Cebolinha e Cascão atazanando a Mônica para no fim dar-lhes uma surra daquelas. Agora os quatro estão envolvidos em uma missão muito semelhante a jogos de RPG e têm de praticar o trabalho em equipe e a confiança mútua para atingir seus objetivos e evitarem a dominação iminente do universo por um ente maligno. A estória apresenta um humor visivelmente mais bem elaborado e alguns lances de romance entre Cebolinha (chamado secamente de “Cebola”) e Mônica. Parece mesmo que o único elemento que remeta a algo verdadeiramente infantil seja a existência de um vilão.

A Maurício de Sousa Produções tem, portanto, uma característica bem visível de empresa inteligente do século XXI: a valorização da tradição e da origem, mas não a tal ponto que ela impeça o surgimento de novas formas de abordagem e criação.

A tradicionalíssima Pirelli (fundada em 1872), fabricante multinacional de pneus oriunda de Milão, preza, acima de tudo, pela qualidade de seu produto. A Pirelli também é conhecida, além disso, por ter suas inovações criadas pela “prata da casa”. No entanto, com o conhecimento científico humano avançando a ritmos jamais vistos, é muito perigoso uma empresa se fechar para as descobertas de cientistas de fora da companhia. Em 2003, a Dra Giorgia Sgalari, funcionária da Pirelli, ficou incumbida da criação da “Antena”, um órgão de inteligência de Marketing que prezaria por CTI (Competitive Technical Intelligence) e buscaria formas externas de inovar tanto no produto quanto em técnicas de produção.

“A companhia se orgulha de ter uma grande história de inovação e desenvolvimento bem sucedido de produtos dentro da casa, o que tem, algumas vezes, dificultado o aprendizado do apreço por influências e perspectivas externas de fontes fora da companhia. Sgalari, com apoio do diretor de P&D (pesquisa e desenvolvimento), tem mudado isso. ‘Temos iniciado o que chamamos de processo de inovação aberta, por meio da qual buscamos identificar parceiros interessantes com os quais cooperar a fim de desenvolver novas características, pneus completamente novos ou processos de produção criativos’, diz Sgalari”[4] Desde então, novas parcerias com montadoras de carro foram feitas, resultando em novas tecnologias UHP (ultra high performance), além da descoberta de dados para se fazer benchmarking com a concorrência, como a Michelin e a Bridgestone.

Para prosseguir na tradição de excelência, a Pirelli teve de se livrar do vício corporativo de desprezar tecnologia desenvolvida fora da casa e passou a interagir com novos parceiros. A adaptação ao mundo cada vez mais interdependente é condição imprescindível para a sobrevivência no século XXI.

Vamos agora ao caso ruim.

Quem nos vem à mente quando se fala na Apple, Incorporated, multinacional do ramo de informática sediada em Cupertino, California? Steve Jobs é o único nome de que lembramos. Por acaso não seria o de Steve Wozniak, amigo de longa data de Jobs e co-fundador da Apple, Inc.?Dificilmente. Talvez Timothy Cook, o outro co-fundador? Duvido. Ron Johnson, da badaladíssima divisão de iPod? Não mesmo. O único nome que vem à mente das pessoas, estando elas inseridas ou não no ambiente corporativo é o de Steve Jobs. A imagem da Apple, Inc. é o rosto de Jobs. Um não consegue dissociar-se do outro. E isso é ruim.

Na segunda semana de dezembro de 2008, boatos sobre a saúde de Steve Jobs fizeram as ações da Apple, Inc. despencarem 7%. “A identificação entre Jobs e a Apple é tão estreita que os investidores têm dificuldade em projetar o futuro da empresa sem seu comando.” Além disso, “segundo Harvard e Wharton, a sucessão do fundador reduz, em média, em 18% o valor de mercado de uma companhia.”[5]

Se a adaptação a novas tecnologias não é problema na Apple Inc., a adaptação a formas modernas de gestão constitui, sim, um grande problema. O arcaísmo da gestão da empresa é péssimo no longo prazo. Apesar de ser ótimo ter um rosto como o de Jobs para lhes representar, essa concentração de informação e a ausência de uma governança corporativa descentralizada são sinais de tempestades formando-se na linha do horizonte. Toda a inovação tecnológica típica da Apple poderá ter sua produção inviabilizada se os investidores não confiarem nela sem Jobs. A Apple precisa se adaptar à gestão do século XXI e cuidar de sua identidade, para fazer isso será necessário contratar administradores, chega de engenheiros.

Tem-se então uma breve explanação de alguns dos vícios corporativos que assolam as empresas modernas independentemente de seu porte e origem. Empresas inteligentes os contornarão e se atualizarão. É importante notar que o zelo pela origem e tradição não deve ser confundido com arcaísmo e modelos antiquados da mesma forma que a receptividade a inovações não deve destruir a imagem que a empresas esforçou-se por construir ao longo de sua existência. O consumidor somente se identificará com aquela companhia que possuir identidade e traços bem definidos.


[1]Kotler and Armstrong, Princípios de Marketing, Ed Prentice Hall do Brasil, 12ªEd, 2007, p. 163

[2]Idem

[3]https://www.dunkindonuts.com/aboutus/AmericaRunsOnDD.aspx

[4]GIA White Paper 4/2008, Market Intelligence for Innovation & Product Life-Cycle Management – Case Examples

[5]Carlos Rydlewski, “E Jobs não vai à festa...”, Veja, 24 dez. 2008, p.85

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Sobrevivendo ao mercado I - Customer Relationship Management: o diferencial corporativo do século XXI


As companhias adentram o terceiro milênio em pé de igualdade. A telefonia na década de 70, a informatização para armazenamento de dados na de 80 e o uso de softwares para planejamento e simulações na de 90 já foram fatores de diferenciação entre empresas. Ainda se concebia, em meados da década de 90, uma empresa fazer sua contabilidade em livros e outra fazer a sua no Excel e ambas possuírem o mesmo porte e concorrerem no mesmo setor. O fato é que a empresa que insistiu em manter-se longe da informatização foi à falência, pois a vantagem competitiva da outra (contabilidade no Excel viabiliza melhores previsões, maior controle de gastos e mais transparência) permitiu sua sobrevivência. De semelhante forma, empresas com a vantagem competitiva de sua respectiva década sobreviveram à rigorosa seleção do mercado, fora as que já nasceram e conseguiram sobreviver a esse ambiente de inovações. Com isso em mente, é seguro afirmar que os anos 2000 estão recheados de companhias altamente eficientes e competitivas. Como, então, sobreviver nesse mercado em que não há diferença significativa entre os participantes e todos são muito bons?

As empresas se destacarão umas das outras em sua capacidade de se relacionar e fidelizar seus clientes. Estando o mercado num nível de concorrência sem precedentes, a conquista de novos clientes e a ampla abordagem a todo o mercado torna-se demasiadamente cara. As empresas também sabem que clientes fiéis (“anjos”, no jargão de marketing) têm um mesmo perfil e que eles agregam muita riqueza ao longo de uma vida de consumo em sua empresa preferida. Após a devida segmentação de mercado e a escolha do nicho que lhes interessa, as empresas recorrem ao CRM – Customer Relationship Manager – para “gerenciar informações detalhadas sobre clientes individuais e cuidadosamente administrar ‘pontos de contato’ com os clientes para maximizar sua fidelidade” [1]. É bom frisar também que “o CRM consiste em software e ferramentas analíticas sofisticadas que integram as informações as informações dos clientes provenientes de todas as fontes, analisam-nas em profundidade e utilizam os resultados para desenvolver relacionamentos mais sólidos com o cliente” [2].

Para melhorar seu relacionamento com clientes, então, corporações têm investido muitos recursos nesses softwares sofisticados. Como resposta a essa iniciativa, o mercado para o desenvolvimento desse tipo de software tem crescido. O SaaS (software as a service) tem sido o modelo dominante nesse mercado. Ele consiste na distribuição de software diretamente pela internet, ou seja, o cliente da empresa fornecedora do SaaS paga uma taxa por determinado período e pode baixar as atualizações do software diretamente pela internet no canal da empresa prestadora do serviço.

O CRM é algo tão imprescindível para a empresa inteligente do século XXI que os grandes nomes do SaaS de CRM fazem questão de não se definirem como software, mas algo além disso e que realmente agrega valor tanto para o contratante do serviço como para seu cliente. A Salesforce, empresa mundial com sede em San Francisco, California, EUA, por exemplo, tem como slogan “Success. Not Software”. O empreendedor Daniel Heise, editor do blog Aprendendo Empreendendo, sócio-fundador da Direct Talk, concorrente da Salesforce no mercado nacional, tem como slogan “otimizando relações” e diz não ter uma meta, mas uma missão, a saber, “otimizar o relacionamento entre empresas eclientes com soluções inovadoras”[3]. Outra grande potência desse mercado de CRM, a Oracle, também californiana, mas de Redwood Shores, relata que continuará a “inovar e liderar o mercado – nos preocupando sempre em resolver os problemas dos nossos clientes”[4]. A SAS, gigante no mercado de softwares de CRM, de Cary, Carolina do Norte, disponibiliza depoimentos de clientes corporativos satisfeitos relatando como a utilização de seu software lhes agregou valor, assim como a seus demais clientes. O mais recente goodcase foi o da 1-800-FLOWERS.COM[5].

A preocupação declarada dessas companhias em agregar valor a seus contratantes não é mera fachada. Eles também estão num mercado muito competitivo – há muitas outras empresas que desenvolvem SaaS para CRM – e compreendem que o estreitamento de laços com o cliente vai além da simples utilização de software e ferramentas analíticas. A compreensão das reais necessidades e desejos do cliente é de tal importância que um especialista em CRM uma vez disse que “o CRM não é uma solução tecnológica, não é possível obter relacionamentos melhores com o cliente por meio da simples instalação de um software. Concentre-se no R – o relacionamento – da sigla CRM. Lembre-se de que o CRM trata de relacionamentos.”[6]

O diferencial das empresas do século XXI estará pouco relacionado ao seu produto, garantias estendidas ou à tecnologia envolvida em seus processos. Isso não se dá porque essas áreas recuaram em importância, mas devido à similaridade delas entre as companhias vencedoras. A vantagem competitiva real do terceiro milênio será encontrada no relacionamento da empresa com o cliente e na capacidade daquela em valer-se das informações conseguidas na manutenção do relacionamento visando à melhor satisfação das necessidades dele, de forma que uma maior lucratividade seja obtida para a empresa ao mesmo tempo em que sua proposição de valor se destaque dos concorrentes e conquiste o cliente. A melhor oferta de proposição de valor somente poderá ser feita conhecendo a fundo o cliente, o que pode ser conseguido por meio de novas técnicas de CRM, que podem revelar “uma grande quantidade de informações para alcançar aquele cliente, para atraí-lo com o que mais lhe interessa”.[7]

O século XXI nos reserva um mercado altamente competitivo, com clientes cada vez mais exigentes e somente será povoado por empresas que souberem fazer uso de seu CRM e estreitar relações com seus consumidores. A velha atividade de negócios pontuais está morta. A transação única entre cliente e empresa não caracteriza mais os mercados maduros. A companhia que não souber se mostrar uma parceira próxima do consumidor morrerá. Os clientes não querem mais produtos, querem valor. Por isso “o CRM compensa”.[8]



[1]Kotler and Armstrong, Princípios de Marketing, Ed Prentice Hall do Brasil, 12ªEd, 2007, p. 96

[2]Idem

[3] http://www.directtalk.com.br/site/site/content/empresa/visao.asp

[4] http://www.oracle.com/global/br/corporate/story.html

[5] http://www.sas.com/success/1800flowers.html

[6]Michael Kraus, “At many firms, technology obscures CRM”, Marketing News, 18 mar. 2002, p.5

[7]Robert McLuhan, “How to reap the benefits of CRM”, Marketing, 24 mai. 2001, p.35

[8]Jason Compton, “CRM gets real”, Customer Relationship Management, mai. 2004, p.11-12