sábado, 27 de março de 2010

Professores conversa-mole


Curso administração, que é uma ciência humana. Infelizmente, ciências humanas não são conduzidas com seriedade, mas com um excessivo subjetivismo, dando espaço não apenas para a conversa mole, mas também para sua aclamação como insight brilhante oriunda do tipo observado “professor conversa-mole”. É sobre esse tipo que quero escrever hoje e compartilhar um pouco do que tenho observado nesses dois anos de faculdade.

O primeiro atributo que identifiquei como sendo do professor conversa-mole foi o apego à enrolação. Ensinando-nos teóricos daqui e dali sem que haja uma integração apropriada dos conhecimentos para o universo da administração, nós alunos terminamos por ser estudantes dotados de um oceano de conhecimento de poucos centímetros de profundidade. De que adianta? Nada! Mas os professores conversa-mole não estão bem interessados nisso, perseveram em seu colóquio acadêmico que somente acadêmicos conhecem. Há teorias que nos foram expostas até agora que, duvido muito, os grandes empresários do país conheçam. Que Eike Batista responderia se fosse indagado sobre suas impressões da obra de Vigotsky “A Formação Social da Mente”? Ou então, o que Marcel Telles diria sobre a “Carta da Felicidade” que Epicuro enviou a Meneceu? O argumento que freqüentemente ouço em defesa dessas matérias é que são “interessantes e importantes”. Se esse é o critério, gostaria que incluíssem gastronomia na grade curricular. Eu preferiria ter aulas de gastronomia a ler o que Vigotski e Epicuro escreveram. Quem sabe eu pararia de pedir pizza à noite e não somente economizaria dinheiro como também seria mais saudável? Fora que o índice de presença dos alunos às aulas de gastronomia certamente seria bem mais altos do que nas aulas de em que se trata de Vigotski e Epicuro.

Piadas à parte, suspeito que um grande empecilho impediria a gastronomia de entrar na grade curricular seria o seguinte: o professor teria de ter conhecimento real de sua matéria. Não daria para ele pedir aos alunos que fizessem uma roda e compartilhar seus defeitos e depois jogarem um novelo de lã um para o outro para que no fim todos tenham de sair do emaranhado formado como um grupo coeso. Não. A conversa mole não ia dar. O professor teria que pegar a espátula e botar a panela no fogo.

O segundo atributo do professor conversa-mole por excelência é que ele (supostamente) ensina o que nunca fez: administrar. Há professores tão antigos e há tanto tempo lecionando que fedem a academicismo; pior, academicismo enterrado nas páginas da história. Esqueceram que o mundo dos negócios avançou e MUITO, mas persistem em utilizar as técnicas que aprenderam décadas atrás. Suspeito que a última coisa que geriram foi suas mesadas. Olham para as teorias do fim do século XIX com desdém, mas tratam as do início do século XX como state-of-the-art. No próprio syllabus da matéria encontrei recomendação de sites que apresentavam teorias que suplantaram aquelas do início do século XX e provaram-nas um embuste. Mas lá estamos nós, com o professor ensinando como se ainda vivêssemos na época dos baby boomers. Um professor não está necessariamente desqualificado por ser de mais idade e nem uma teoria está definitivamente errada por datar de séculos atrás, mas cabe ao docente – qualquer que seja sua idade – atualizar-se para ver se ele não está nos apresentando carruagens em época de automóveis.

O terceiro atributo do professor conversa-mole por excelência é seu estilo de correção de provas e trabalhos. Normalmente, ele não usa a nota como instrumento de avaliação, mas como ferramenta punitiva. Alguns semestres atrás, quando um desses meus professore estava entregando provas corrigidas, ele parabenizou o aluno X por ter tirado uma excelente nota. Contudo, quando ele viu quem era o aluno X – um sujeito que costumava faltar aulas e dormir nas poucas em que ia – ele decidiu baixar-lhe a nota. Isso é uma estupidez sem tamanho! Se o rapaz conseguiu uma nota boa naquela prova ridícula de uma matéria mais ridícula ainda sem presenciar as aulas, que loas sejam entoadas não que ele seja punido! Que asco isso me dá. ASCO! Professor bizarro. Como um docente desse pode ser considerado um educador?

Em situação semelhante, havia outro professor. Ele não lia os trabalhos e dava nota 7 para todo mundo. Que outro resultado poderia advir dessa medida se não a mediocridade geral? Os humanos reagem a estímulos. Se independente do que eu fizer o avaliador sequer se dará ao trabalho de avaliar o que eu fiz, por que me esforçar? É inadmissível que preguiçosos medíocres desse jeito ensinem a tal da “futura elite política e empresarial do país” aplicando a lógica do funcionalismo público na supostamente melhor escola de negócios do Brasil. Para finalizar os tipos dentro do terceiro atributo, tem aquele que não corrige seu trabalho, mas sim põe numa balança para pesar o calhamaço que lhe foi dado. Para esse professor, dez páginas excelentes e concisas não são boas como trinta páginas prolixas. Por esse motivo, há uma língua paralela ao português lá na faculdade. Tal qual o latim, ela não é falada, mas escrita somente. Ela é conhecida por “bullshitagem”, mas o nome mais popular é “gevenês”. A língua consiste basicamente em utilizar o palavreado rebuscado e metido a acadêmico que os nada nobres professores usam. Fiquei de tal forma habilidoso que consigo transformar cinco linhas de conteúdo em seis parágrafos prolixos e confusos com ares de entendido no assunto. Ou seja, do jeito que os professore conversa-mole gostam.

O quarto atributo do professor conversa-mole é seu ego. Há aulas em que nós alunos ficamos desconfortáveis na sala por não haver espaço suficiente para nós e o ego do benedito. Após semestres e mais semestres discutindo com esses professores, decidi cessar e virar “aluno moita”. Mudei muitas de minhas idéias após ter entrado na faculdade e ter conhecido gente e pensamentos novos. Chama-se aprendizado. Mas esses professores não mudam. Pra que mudar? Se são confrontados, basta usar a chibata da nota. Eles já estão há mais tempo ensinando na faculdade do que Tom Bombadil cantando na Terra Média; logo, o que têm a temer? Aluno questionador é sarna pra se coçar! Enquanto isso, a faculdade vai nos forjando segundo sua cultura de grandes egos e nós alunos da instituição já temos a fama de arrogantes e metidos pelas escolas de negócios estado de São Paulo afora; fama e atitudes essas que têm contribuído para a escolha de profissionais provenientes de faculdades concorrentes na hora do emprego. Na Desciclopedia, dizem o seguinte sobre nós:

Diversos alunos ingressos das dependências da FGV conseguiram obter destaque nos negócios e na política brasileira, ajudando a construir a sociedade com modelos e atitudes. Romário da turma de 1985 resumiu brilhantemente como "Eu sou o cara"[1].

Esses quatro atributos foram os que pude observar até agora em minha faculdade. Certamente observarei ainda outros atributos e estou bem certo que onde estudo não é um caso único. Falo isso com tom de pesar e entristece-me a probabilidade que no Brasil afora a situação seja até pior. Enquanto isso, os professores conversa-mole fingem que ensinam; nós, que aprendemos e fica tudo como está.

PS: Em tempo, um dos docentes da FGV dá amostras do “espírito GV”.[2]