segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Registro de Viagem à Costa do Marfim: Relato X - Natal, Casamenteiras e Empreendedorismo



Registro de Viagem: Costa do Marfim

Relato X – Natal, Casamenteiras e Curtas – 24 e 25 de Dezembro

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24/12

Trabalhei a véspera de Natal. Lá pelas 15h, a empresa estava vazia e só sobrara o chefe e a equipe de MKT (eu e Wilfred). Perguntamos ao chefe onde estava todo mundo e ele disse que o dia 24 na Costa do Marfim era meio expediente e que se esquecera de nos avisar. Cientes disso, começamos a arrumar nossas coisas para partir a Yopougon. Wilfred muito feliz; eu, nem tanto. Eu realmente não me importaria de passar o Natal na empresa, não somente porque internet me permite usar o skype pra falar com minha família e minha digníssima, mas também por causa do banheiro. Sabendo que só teria banheiro novamente na segunda-feira, praticamente tomei um banho na pia, fiz a barba, escovei os dentes cinco vezes (escovo os dentes em casa, mas é num copo, não com água corrente) e fiz número 2 três vezes.

Foi difícil arranjar um táxi que quisesse ir a Yopougon na véspera de Natal. Muito difícil. Quando finalmente um taxista atendeu ao sinal de parada de Wilfred, saí de trás do poste apenas para descobrir que aquele táxi era o calhambeque mais destruído e mais feio que eu já havia visto em toda a minha vida. Quando ele estava em movimento, eu olhava pra trás e via o rastro de fumaça preta que o veículo deixava. Era como se ele rodasse a diesel. Não sei o modelo do carro, mas era uma daquelas porcarias indianas; um Tata, um Mazda, sei lá. As janelas não abaixavam e isso era particularmente ruim porque a Costa do Marfim é muito quente entre às 22h e às 05h e das 05h às 22h o calor é de forma tal que ultrapassa a barreira do insuportável. Além disso, o taxista fumava incessantemente e cuspia tudo pra trás, onde estava o le blanc e dirigia de forma muito imprudente. Ah, ele ainda era muçulmano. Fiquei extremamente grato a Deus de chegar em Yopougon em segurança e poder sair daquela carroça destruída.

Chegando em casa, tomei um banho, recuperei as forças e fui para o culto de Natal dos Batistas. O culto estava vazio. O pessoal aqui é muito parecido com o Brasil até nesse sentido: no domingo, todo mundo levanta os braços e diz “glória a Deus!”. Na hora de celebrar o nascimento do Redentor, está todo mundo por aí. As outras semelhanças que notei são majoritariamente extra-eclesiásticas e dizem respeito a gosto de entretenimento (música alta, muita dança, cerveja e muvuca). Voltei do culto e a família estava toda pronta pra ir à missa e depois à farra também. Recusei o convite, mas a mais insistente (Cherone) tentava ainda a me convencer a ir. Na medida em que meu francês permitia, expliquei que, por ser cristão, eu não podia participar de rituais idólatras e nem de uma compilação de tradições pagãs declaradas aceitáveis pelo romanismo com fins de atrair esses mesmos pagãos para a Igreja no dia simbólico do nascimento do Redentor da humanidade. Ela compreendeu e disse que ia pra festa mesmo assim. “D’Accord, à bientôt”, disse eu, e me recolhi.

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25/12

Hoje fui visitar três famílias da Igreja Batista. Quando eu digo família, não se trata de pai, mãe e filhos, mas também de primos de 4º grau, companheiros de futebol e tia-avó do vizinho. Em todas as três famílias, as mulheres tentaram me convencer a me casar com alguma jovem do clã e levá-la comigo ao Brasil. Isso é novidade, pois, até hoje, apenas tinham me oferecido bebês para adotar e para levar comigo ao Brasil. Recusei, falei da patroa e mostrei a foto. Toda mãe aqui é uma espécie de casamenteira.

O mais interessante do dia, contudo, foram as coisas que presenciei durante o traslado do cortiço de uma família a outra. Primeiramente, deixem-me falar do mercado local, que se chama Carrefour, mas não tem ligação nenhuma com a grande rede, mas é porque fica numa encruzilhada (Carrefour = encruzilhada). As coisas mais nojentas de minha vida eu vi hoje à venda. Havia moscas por todo lado e não creio que tenha havido sequer uma das frutas (muitas estavam podres) que não servia de berçário de insetos. Os peixes, então, eram uma nojeira só. Havia peixe sem olhos e, nesse “vão”, os insetos confortavelmente se acomodavam.

Passado o mercado, chegamos num campo de futebol. Não havia grama, mas havia duas traves pequenas e dois times uniformizados de gente variando entre uns 13 e 25 anos. Comecei a filmar o jogo. Quando fiz isso, os moleques da torcida se afastaram para me dar melhor visão e os jogadores começaram a mostrar o seu melhor. Deviam pensar que se tratava de algum olheiro, afinal era um le blanc com uma câmera (e lentes transition!). Esperei o fim do jogo e bati uma bola com o pessoal. Cansei logo não apenas devido à minha falta de preparo físico, mas por causa do calor. O termômetro da enfermaria local apontou 39º desde as 06h30. Qualquer atividade aqui fatiga muito, o que em parte explica o fato de ter muita gente encostada nas paredes por aí tirando um cochilo (mas a outra parte, que é a maior, é explicada pela mais pura preguiça mesmo).

A terceira coisa legal foi um negócio que um muçulmano aqui abriu. Ele tem um banheiro moderno e aluga espaço! O nome do negócio é Toilette Publique Moderne e é até bonzinho o lugar. Tem preço pra tudo, xixi (25 francos), cocô na latrina (50 francos), cocô no vaso sanitário (75 francos; só tem um desses porque não é pra qualquer um, bem!), ducha (100 francos) e água quente (mais 100 francos). Além disso, esse empreendedor tem uma mesquita exatamente ao lado do Toilette Publique Moderne e aluga espaço na mesquita e há preços diferenciados segundo a qualidade do tapete em que o fiel rezará para Alá. Tirei fotos do local (em breve, no Orkut!) e ele me permitiu fazer um xixi (test-drive, sabem como é) de cortesia. Conversei um pouco com o muçulmano e, bom vendedor que era, disse que na próxima vez que me visse eu fosse seu cliente. Olha, se a comida daqui continuar apimentada e temperada como está, não duvido que eu e esse cara cheguemos a nos ver com grande freqüência. Vou pechinchar com ele pra ver se ele faz um combo: tantos cocôs (no vaso, não na latrina) e tantos banhos por semana à vista tem quanto de desconto?

Bem, de volta ao cortiço, repousei bastante, pois esse mormaço e esse calor realmente enfadam você no menor esforço. Terminei Marcos e li precisamente a passagem de Lucas que trata do Natal. Vou tomar banho, jantar e então me recolherei, pois amanhã parto para Niamé, a village que tem aqui perto.

Obrigado pelas orações e Deus os abençoe.

« C’est qu’aujourd’hui, dans le ville de David, vous est né un Sauveur, qui est le Christ, le Seigneur » - Luc 2 :11

2 comentários:

Ligia Cerqueira disse...

1.Que pessoal atrevido! Eu cheguei primeiro, não quero saber de arranjar casamento por aí não!

2.Ecaa! Espero que a familia da casa aonde vc está não compre desse carrefour..

3.Boa idéia do muçulmano! Seria muito bom se vc conseguisse negociar com ele!

Sarinha! disse...

Concordo com Lili, essa mulherada é mto atrevida mesmo! Elas não sabem o que significa o anel na tua mão direita não, ué?!

Quanto ao mercado, tem algum lugar mais higiênico, ou melhor, menos infeccioso,pra tu comprar comida não?

Bate uma foto com esse muçulmano! Finalmente alguém que vê oportunidade nas dificuldades, que sabe ganhar dinheiro.

Te amo!