quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Registro de Viagem à Costa do Marfim: Relato IX - O Restaurante Brasileiro e Planos para Natal e Ano Novo



Registro de Viagem: Costa do Marfim

Relato IX – O Restaurante Brasileiro e Planos para Natal e Ano Novo – 22 e 23 de Dezembro

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22/12

O cara que ia botar internet na empresa não veio. O chefe passou o dia trancado no escritório discutindo com os funcionários que iam lhe pedir os salários devidos. Mais um dia quase perdido. Digo ,quase todo, porque ao menos usei pude usar o banheiro da empresa, que tem encanamento.

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23/12

Boas notícias: o cara da internet finalmente veio e botou cabos de rede no restante da empresa. Agora eu posso fazer pesquisas e trabalhar direito, além de também poder contatar minha família com mais propriedade e utilizar o skype. Graças à internet, hoje pude segmenter 107 novos clientes e com sua localização geográfica!

Para que entendam melhor minha alegria, convém explicar uma coisa. Não há organização urbana em Abidjan. Nomes de rua, número do imóvel e CEP são inexistentes por aqui. O que fazem é alugar uma BP (caixa postal) em algum lugar do centro da cidade e irem lá todo dia pegar a correspondência. Assim, o endereço é diferente da localização geográfica. Como o distrito comercial e financeiro não é muito grande, sabendo o nome do edifício, sabemos onde fica a empresa e podemos passar lá para uma reunião. Outra coisa estranha: aqui não se marcam reuniões, aparece-se quando bem entender e é-se recebido. Também, ninguém tem site informando e-mail e telefone. Por esses motivos, a importância da localização geográfica é suma. Eis porque estou tão feliz.

Faltando cinco minutos para as 17h e já pronto pra ir embora, o chefe aparece com um negócio urgente que ele esqueceu e dá para nós fazermos. Como se trata de reformulação do contrato, é óbvio que o mais pleno domínio do francês é necessário, logo, o trabalho é mais pro coitado do Wilfred do que pra mim. Calmo como sempre, Wilfred diz que eu podia arrumar minhas coisas e descer (pois no andar de baixo o ar condicionado funciona), mas pede uma Pepsi (onde ficamos, é uma fornalha). Vou lá ao pátio comprar e, como sempre, há umas 30 crianças loirinhas brincando. São libaneses. Como o prédio é grande, esqueci onde fica a máquina de refrigerante. Pergunto a uma senhora de burca, mas ela só fala árabe. Acabo achando e volto pra AFCO com a Pepsi do Wilfred. No entanto, quando volto, ele perdeu sua habitual serenidade. Perguntei o que houve. “O chefe foi embora, desligou o server da internet e agora não tem mais como eu mandar esse contrato!”. Isso é muito típico do Sr Happy. Wilfred decide que não está nem aí e vamos embora às 18h. Nós não fomos pra casa direto, fomos antes a uma lanchonete/bar brasileiro (isso mesmo!) que descobri por aqui. Mas antes de falar do bar, tenho de falar de uma pessoa que conheci hoje: a Sra Happy Happy!

A esposa do chefe é bem obesa, tem cabelo meio vermelho, meio roxo e fala com volume tal que sabemos que ela está chegando mesmo que ela esteja a três quarteirões de distância. Aliás, teríamos a informação de sua distância mesmo que ela estivesse em silêncio, pois seu perfume em excesso a denuncia. Se o chefe é uma figura, a esposa ainda mais. Não tive a cara de pau de tirar uma foto dela. Desculpem-me, mas simplesmente não tive coragem de perguntar.

Agora, em relação ao bar, é pequeninho, mas muito confortável. O Denis – proprietário – não se encontrava lá porque estava doente, então minhas expectativas de falar português foram frustradas, pois todos os empregados são locais. Comi um lanche digno da Avenida 9 de Julho: misto quente com coca-cola. Wilfred também comeu misto-quente, mas se irritou quando viu que sua cerveja era, na verdade, uma cerveza e vinha da Cidade do México.

Saímos de lá e fomos pegar um táxi. Para pagar o preço justo, a estratégia é a seguinte: Wilfred chama o táxi e eu me escondo. Se eu chamasse, certamente os táxis não me ignorariam como fizeram com o Wilfred, mas me cobrariam muitas vezes o preço corrente. Um táxi parou, Wilfred entrou e, ao seu sinal, saí de trás do poste e lá fui eu também pro banco de trás do táxi. Nessas horas, eu sempre olho pro rosto do taxista pelo retrovisor! Interiormente, morro de rir. O calor sufocante não é amenizado com o vento da janela, pois Abidjan é extremamente poluída e começo a ter meu nariz escorrendo constantemente e espirros freqüentes.

Descemos em prémière pont e voltamos pra casa. Viro a esquina e minha comitiva de recepção vem gritando “natóóóóón!!”. Abraço a molecada, um deles pega meu paletó e outro a mochila enquanto o restante da cambada fala comigo todo mundo ao mesmo tempo e eu não entendo nada. Meu irmão Franc afasta a criançada com uma vassoura e vou tirar o traje do trabalho e ponho um mais confortável para ir à famosa salle de bain. Terminado o banho, fazemos algumas rodadas de “ciranda cirandinha”, mais outras de “andoleta” e hoje prometi-lhes que na sexta (natal, logo não há trabalho) vou ensinar outros jogos brasileiros. Pretendo mostrar como se joga carimba (queimada) e bandeira.

Agora é a mãe da família que vem espantar a molecada pra eu poder entrar e vir fazer minhas coisas. A mãe da família é uma graça. Como nunca entendi seu nome, sempre a chamei de “maman”. Ela, por sua vez, diz que eu sou seu novo bebê. É até engraçado porque, quando vamos ao mercado, ela fala ao me apresentar pras amigas “já conhecem meu bebê?”; ao que elas respondem: “ah, esse que é o le blanc?”.

Mudando de assunto e falando sobre Natal e Ano Novo,no natal, nós vamos visitar parentes da família anfitriã numa village chamada Niamé. Aqui, ville é cidade - é o caso de Abidjan - e village é um favelão muito pobre - como Yopougon, onde vivo, e como Niamé. Vai ser uma aventura e tanto, poruqe Yopougon é 10 vezes mais próspero do que Niamé. Nem imagino como vai ser lá!

Para o fim do ano, estou vendo de viajar ao interior do país e visitar Yamoussoukro, a capital política do país, e Bouaké, uma cidade mais ao norte muito afetada pela guerra civil, mas que agora está sob o controle das forças de paz da ONU e da França. Meu plano original era ir a Korhogo, bem na fronteira com o Burkina Faso e com o Mali e repleta de savana, mas a atividade rebelde ressurgiu naquela zona do país e a embaixada brasileira me aconselhou a não ir pra lá, ainda mais que sou branco e os rebeldes não são muito amistosos nem com outras etnias subsaarianas, quanto mais com os brancos.

Bem, termino o relato por aqui e vou fazer minhas outras coisas. Mais uma vez, obrigado pelas orações e que Deus os guarde.

Allez chez tous lês peuples pour que lês gens deviennent mes disciples. Baptisez-les au nom du Père, du Fils et de l’Esprit Sant. – Matthieu28 :19

Um comentário:

Ligia Cerqueira disse...

Natóónn, desse jeito nem tem como sentir saudade do Brasil...hahhahah